O QUE ESTUDAR?

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DIREITO

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

PRAZO DECADENCIAL DO ART. 26 DO CDC:


Ação de prestação de contas visando esclarecimentos sobre taxas, tarifas e encargos bancários não se sujeita ao prazo decadencial do Art. 26 do CDC

Comentários à súmula n. 477 do STJ:



Analisa-se, nesta oportunidade, a edição da súmula n. 477 do STJ, que versa sobre o instituto da decadência no âmbito das relações regidas pelo Código de Defesa do Consumidor. No caso, a Segunda Seção daquela corte, amparada em precedentes, consolidou o entendimento de que o art. 26 do CDC não é aplicável às ações que visam obter a prestação de contas ao consumidor, por parte das instituições financeiras. Em síntese, o Tribunal da Cidadania, acertadamente, considerou que o instituto da decadência relaciona-se ao direito de reclamar pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios ocultos (direito potestativo), não devendo ser confundido com o direito de ação, o qual revela uma pretensão a ser deduzida em juízo, casos em que o respectivo instituto reitor é o da prescrição.
Veja-se o teor da súmula:
EMENTA: Segunda Seção - SÚMULA n. 477
A decadência do art. 26 do CDC não é aplicável à prestação de contas para obter esclarecimentos sobre cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários. Rel. Min. Raul Araújo, em 13/6/2012.
PRECEDENTES:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. O ART. 26 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DESTINA-SE A VÍCIOS APARENTES OU DE FÁCIL CONSTATAÇÃO E VÍCIOS OCULTOS, REGULANDO A DECADÊNCIA, NÃO TENDO APLICAÇÃO EM AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ONDE O AUTOR, ORA RECORRENTE, BUSCA REVISAR OU QUESTIONAR OS LANÇAMENTOS EFETUADOS EM SUA CONTA-CORRENTE. INDEPENDENTEMENTE DO FORNECIMENTO DE EXTRATOS BANCÁRIOS E DA PROVA DE PRÉVIO PEDIDO DE ESCLARECIMENTO, SE HÁ DÚVIDA QUANTO À CORREÇÃO DOS VALORES LANÇADOS NA CONTA, HÁ INTERESSE PROCESSUAL NA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
AgRg no REsp 1021221/ PR, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 12/08/2010.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PRAZO DECADENCIAL. ART. 26 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. ART. 557 DO CPC. APLICAÇÃO.
1. Consoante entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, "o art. 26 do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre o prazo decadencial para a reclamação por vícios em produtos ou serviços prestados ao consumidor, não sendo aplicável à ação de prestação de contas ajuizada pelo correntista com o escopo de obter esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou encargos bancários" (REsp 1.117.614/PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 10.10.2011, julgado com base no procedimento dos recursos representativos da controvérsia, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil).
2. Encontrando respaldo na uníssona jurisprudência do STJ, deve ser confirmada a decisão agravada que, ao modificar o aresto hostilizado em relação a esse tema, foi proferida com esteio no art. 557 do CPC.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
AgRg no REsp 1064135/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 26/03/2012.
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 557§ 1º- A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DECADÊNCIA. ARTIGO 26, INCISO II, DOCÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
I - Nos termos do artigo 557§ 1º- A, do CPC, com redação dada pela Lei nº9.756/98, o Relator poderá dar provimento ao recurso especial quando o Acórdão recorrido estiver em divergência com a jurisprudência desta Corte.
II - O artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Isso porque o dispositivo em comento refere-se à decadência do direito de reclamar pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios ocultos, o que não se amolda à hipótese em tela.
III - O agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido.
AgRg no REsp 1064246 /PR, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 23/03/2009.
COMENTÁRIOS
É corrente no ensino jurídico a seguinte afirmação: o direito caduca; a pretensão prescreve. De fato, essa distinção é importante, pois a decadência e a prescrição cuidam de formas pelas quais alguém obtém para si uma determinada utilidade. Nada obstante, registre-se que há parcela da doutrina que não enxerga diferenças ontológicas entre os institutos, caso de Zelmo Denari – um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, considerando que prevalece a distinção entre prescrição e decadência, assim trataremos a matéria, inclusive em razão do posicionamento do STJ.
Em seus comentários ao CDC, o nominado autor, ao tecer suas considerações sobre esses institutos, o fez com maestria, valendo a transcrição de sua irretocável lição:
“O tempo exerce uma eficácia extintiva sobre os direitos. Não sobre o Direito Positivo, ou seja, sobre o Direito objetivamente considerado, pois este, por seu caráter imanente, somente se extingue com o advento de normas de superposição (revogatórias das anteriores ou incompatíveis com as respectivas provisões), mas sobre o direito subjetivo, enquanto poder de realizar o interesse juridicamente protegido.
O direito se subjetiva quando um acontecimento qualquer – designado hipótese material de incidência – deflagra uma situação de poder que permite ao seu titular realizar uma tutela prevista no ordenamento jurídico. Por outra, o direito se subjetiva quando seu titular pode imediatizar proteção dos interesses lesados pela violação da norma.
(...) não interessa ao Direito que se eternize a faculdade de o credor exercitar o seu direito, cabendo-lhe exigir o cumprimento da prestação positiva ou negativa. Se não o fizer, no tempo legalmente previsto, consumar-se-á a prescrição, assim entendida, portanto, a extinção de um direito definitivamente constituído, por inatividade do respectivo titular.
Outros direitos, no entanto, dependem da iniciativa daquele que ocupa o polo ativo da relação jurídica. Na hipótese de inércia desse partícipe, ocorre o perecimento do referido direito, e isso significa que seu postulante decaiu do direito de constituí-lo validamente. Alude-se, na hipótese, à decadência, porque, em razão da inatividade, o respectivo titular deixou de constituir o respectivo direito” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2004, pp. 221-222).
Como visto, o instituto da decadência diz respeito à constituição de um direito, ou ainda, nos dizeres do ex-ministro do STJ – Ruy Rosado de Aguiar -, a um “direito formativo”, enquanto a prescrição se refere à prerrogativa de se exigir um direito já definitivamente constituído, sendo que ambas as situações sofrem os efeitos do tempo.
Estabelecida a distinção fundamental entre os institutos, passamos a analisar o que dispõe o art. 26 do CDC – objeto da súmula em comento. Eis a sua redação:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não durávei
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1º Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2º Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Note-se que a conclusão a que chegou a Segunda Seção do STJ guarda relação exatamente com o direito de ação, isto é, ao direito de alguém, judicialmente, questionar, revisar, obter informações sobre suas movimentações financeiras junto a um banco. A afirmação é corroborada, inclusive, pelo teor da súmula nº 259 do STJ, que tem a seguinte redação: “A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária”. Assim, o dever de prestar contas não se relaciona com o vício do serviço, como costumeiramente alegado pelas instituições financeiras.
Ademais, é inafastável a ideia de que a ação de prestação de contas relaciona-se intimamente ao direito de informação, arrolado como direito básico do consumidor no inciso III, do art. , do CDC. Ou seja, se o direito à informação é um direito expressamente afirmado (direito já formado, portanto) no texto do CDC, obter esse bem jurídico junto ao fornecedor revela-se como uma pretensão, e, portanto submetendo-se a prazo prescricional. Em outras palavras, o preceptivo em questão estatui um dever jurídico para o fornecedor, ou seja, uma “prestação positiva”, nos dizeres de Zelmo Denari, o que reforça a tese.
De forma a elucidar ainda mais a questão, Leonardo de Medeiros Garcia, citando Agnelo Amorim, que por sua vez recorre às lições de Chiovenda, ensina:
“1. Estão sujeitas a prescrição todas as ações condenatórias
2. Estão sujeitas a decadência todas as ações constitutivas
3. São perpétuas (imprescritíveis) as ações constitutivas que não possuem prazo e todas as ações declaratórias” (GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 209).
Insta registrar que, no que interessa à disciplina consumerista, o vício de qualidade do serviço guarda relação com a sua adequação para o consumo. Assim, configuraria vício, por exemplo, a promessa do banco no sentido de que o consumidor poderá realizar determinada transação financeira via telefone celular, e por algum motivo a operação não se concretizasse, por falha no sistema informatizado do banco. Outro exemplo bastante didático de vício do serviço bancário é fornecido pela ministra do STJ – Maria Isabel Gallotti, no julgamento do REsp. 1.117.614:
“Como exemplo de vício de serviço bancário, poderia eu figurar a hipótese de um investidor que solicitasse a aplicação de seus recursos em determinado tipo de investimento de risco e o empregado do banco o aplicasse em caderneta de poupança ou vice-versa. Não reclamado pelo correntista o equívoco na prestação do serviço no prazo decadencial de 90 dias, perderia o direito de postular ressarcimento por eventual prejuízo ou diferença de rendimentos. Igualmente ocorreria vício de serviço, se o banco deixasse de promover o débito em conta de fatura previamente agendada, caso em que o cliente teria o prazo de 90 dias para reclamar dos prejuízos causados pela falha na prestação do serviço."
Em resumo, pode-se dizer que restará configurado o vício do serviço quando este não cumprir o que promete. Nessa hipótese, a reclamação do consumidor submete-se a prazo decadencial. De seu turno, como demonstrado, a matéria sumulada pelo STJ diz respeito a direito pessoal, portanto sujeito a prazo prescricional. Via de consequência é inaplicável à espécie o disposto no art. 26 do CDC.
Por Vitor Guglinski



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